Depois da Segunda Guerra, com a Europa reerguendo-se dos escombros do conflito, as principais indústrias remanescentes investiram seus escassos recursos na produção de carros populares como o Volkswagen Sedan (Carocha), o Fiat Cinquecento ou o Citroën 2CV. Modelos que, não obstante as dificuldades financeiras da maioria da população europeia no pós-guerra, venderam milhões de exemplares.No Brasil, com a instalação das primeiras indústrias automobilísticas, a partir de 1956, carrinhos populares também fizeram muito sucesso entre um público sedento por um veículo novo que não podia pagar o preço de um modelo importado ou precisava de um exemplar mais rústico para o trabalho.
Desta safra, são mais conhecidos o Volkswagen “Pé De Boi” (um Carocha despido de cromados e até da tampa do porta-luvas), os Renault Dauphine e Gordini “Teimoso” (sem cromados, sem calotas e até sem espelho retrovisor externo), o Simca “Profissional” (versão enxuta do Chambord) e a carrinha DKW “Pracinha” – todos colecionáveis raros e de alto valor nos dias atuais.
Os automóveis populares perderam clientela à medida que o país se urbanizou e a classe média brasileira conquistou um nível socioeconômico mais elevado. Carro virou símbolo de status. Ninguém mais queria algo tão espartano. Mesmo assim, modelos mais caros de quase todas as marcas nunca deixaram de possuir versões de entrada um pouco mais simples.
O renascimento do verdadeiro carro popular no Brasil viria a ocorrer, no entanto, nos primeiros anos da década de 1980, mediante incentivos fiscais dos governos à produção de veículos econômicos com motores de no máximo 1.000 centímetros cúbicos (Os impostos sempre tiveram um peso considerável nos preços dos automóveis brasileiros).Um marco desta época é o Fiat “Uno Mille”, lançado em 1984. Vendeu como pão quente.
Na sequência, Ford, Chevrolet e Volkswagen também trataram de despojar modelos como o Escort, o Chevette e o Gol de motores mais potentes, e até de pequenos requintes, para se adequarem às regras do “carro popular”. Por muito tempo, os “populares” haveriam de se tornar o primeiro carro de jovens, de trabalhadores da classe média, de taxistas e frotistas.Contudo, na primeira década do novo milénio, a importação em massa – principalmente da Ásia – de veículos equipados com itens de conforto como direção hidráulica e ar condicionado por valores competitivos com os populares “pelados” nacionais, levou à categoria à lona. Estava aberta a contagem regressiva para o fim dos populares. O nocaute veio em 2014, com a obrigatoriedade de instalação de freios ABS e airbags em todos os veículos novos. Novas exigências dos tempos modernos da indústria automóvel mundial viriam na sequência.
A indústria alega, não sem alguma razão, que ficou impossível fazer carros com direção hidráulica, ar condicionado, ABS, airbags, carroçarias deformáveis, controle de tração e outras exigências de segurança a preços populares. Desde então, as cotações deram um salto. Hoje, o carro mais barato vendido no país, o Renault Kwid, na versão de entrada, custa o equivalente a mais de 10 mil euros. Para os brasileiros, que vêm perdendo renda e poder aquisitivo nos últimos anos, é muito dinheiro. Não se pode mais dizer que existam carros realmente “populares” em produção no Brasil. Todavia, a escalada desenfreada de preços dos automóveis modernos – sobretudo dos SUVs e dos elétricos – alijaram do mercado de veículos zero quilómetro enormes parcelas de consumidores. As vendas de automóveis despencaram. Os exemplares de alto valor agregado, os queridinhos das montadoras, não contam com um público tão amplo assim. Não seria a hora, portanto, de a indústria automóvel brasileira “reinventar” o carro popular, para atender a este vasto segmento de consumidores órfãos e ávidos por um exemplar com cheirinho de novo? O desafio está posto. Mas ninguém parece decidido a enfrentá-lo.
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