Ao contrário do que acontecia nos tempos dos anúncios de jornais e revistas, hoje há uma oferta quase infinita de modelos de todos os tipos – sem fronteiras geográficas – ao alcance de um clique. Todavia, está cada vez mais difícil comprar ou vender um clássico no Brasil.O que explica este paradoxo?
De um lado, cresceu exponencialmente o número de “curiosos”, que nada entendem de veículos antigos, e fazem as mais absurdas exigências aos vendedores. De outro, são os proprietários desses veículos que passaram a inflacionar o mercado com preços completamente fora da realidade. Resultado: um mercado paralisado. Ninguém vende, ninguém compra.
Conversamos com um dos mais conhecidos e prestigiados negociantes de automóveis clássicos e especiais na internet do Brasil, Marcelo Reinert, proprietário do portal Ateliê do Carro, com sede em Porto Alegre, no Sul do país, para saber mais sobre este complexo mercado. A seguir, um resumo da verdadeira “aula” que o Marcelo nos deu:
JdC – De onde vem seu interesse por automóveis, principalmente clássicos, e como essa paixão se transformou em negócio?
Marcelo Reinert – A minha paixão por autmóveis foi despertada através da convivência com meu avô Dante, que falava muito sobre o tema e tinha um Aero Willys 1962. Andar de Aero 62 era marcante a ponto de lembrar do cheiro do automóvel, o barulhos do motor e as trocas de câmbio como se fosse hoje. Contudo, o que me colocou de vez no mundo dos automóveis foi um Opala de Luxo 1973 rosé metálico com tecto de vinil bege adquirido por meu pai em 1982 com o objetivo de poupar o Chevette SL 1981 das idas ao sítio. Só que, assim como o meu avô, ele também tinha ferrugem no sangue e o Opala acabou virando seu “xodó”. Comecei a comercializar veículos em 1991, com um pequeno capital que juntei da venda de meu Opala Comodoro 1981 mais o valor da venda de uma câmera de vídeo.JdC – Você foi um dos pioneiros no Brasil no comércio de automóveis antigos e especiais pela internet. Quando e como surgiu o Ateliê do Carro?
MR – Em 2001 voltei a investir no comercialização de veículos, sempre comprando e melhorando os automóveis para depois revendê-los. Até que um dia, em 2002, um ex-cunhado apareceu com um Galaxie 1967 Azul Infinito que havia pertencido ao Museu do Galaxie de Novo Hamburgo (RS). A partir desse momento, ressurgiu com muita força um antigo desejo: a de ter um Ford Galaxie. Comecei uma longa procura até achar meu primeiro antigo: um Landau 1980 Azul Clássico. Em 2003, adquiri outro Landau, porém 1982 Verde Astor. Em seguida, providenciei a venda do 1980 e nesse momento posso dizer que nasceu o Ateliê do Carro, pois comecei a buscar e resgatar não apenas Galaxie, mas vários outros exemplares antigos, até que, em 2004, registramos oficialmente e nosso negócio se difundiu com a criação do site.
JdC – O que você considera um clássico ou um automóvel especial?
MR – O automóvel clássico é muito de gosto pessoal. É aquele que você gosta e curte muito. Mas, no geral, são os antigos que tiveram alguma importância no cenário da indústria automobilística, como os mais vendidos, mais queridos. Mas, essencialmente, deve ser dentro dos padrões originais ou com uma identidade assumida, como Hot Rod, T- Bucket, Rat Rod entre outros estilos. Um automóvel especial pode ser definido como nem tão antigo, mas em excepcional conservação original.
JdC – De todos os automóveis que negocia, quais modelos são os seus prediletos?MR – Gosto de muitas marcas e modelos. Ainda busco modelos que não tive. Mas a paixão de adolescência pelo Monza ainda é forte. Lido com vários veículos e no final sempre concluo que o Chevrolet Monza é um modelo incrível, por tudo o que oferece. Mas junto a ele eu citaria o Galaxie, Opala, Omega, Vectra, Astra, Santana, Versailles, Corcel e Del Rey. Dos americanos, eu citaria o Lincoln Town Car, Crown Victoria, Ford LTD, Chevrolet Impala, Cadillac entre outros.
JdC – Acredita que os automóveis antigos eram melhores do que os actuais?
MR – Os automóveis de hoje são excelentes, seguros, com muitos recursos tecnológicos, belos designs, tanto externos quanto internamente, mas considero ter “prazo de validade”. São compostos de muita eletrônica e muitos com a necessidade de actualização de software. Além disso, considero a qualidade duvidosa, com acabamentos um tanto pobres. Eu prefiro e confio mais em determinados modelos mais antigos, simples e confortáveis.
JdC – O perfil de compradores de veículos antigos ou especiais mudou muito nos últimos anos ? Quem são esses compradores? Colecionadores? Investidores? Saudosistas? Curiosos?
MR – Existe todo o tipo de comprador, inclusive aquele que procura algo que não existe. Passa a vida procurando e, quando compra, faz um péssimo negócio. Os gostos são os mais diversos possíveis, padrões e exigências. Muitos não conhecem os veículos e querem entrar nesse mundo, achando que todos os modelos devem ser melhores que zero quilómetros. Falta bom senso para avaliar as situações de cada automóvel. Perguntas como “tem retoques”, ou “tem algo para fazer”, já nos ligam as luzes de alerta, demonstrando que não conhecem os automóveis e a preocupação com os pontos mais importantes ficam de lado.JdC – O antigomobilismo vive ondas de interesse por este ou aquele modelo. Neste momento, quais são aqueles que mais despertam o interesse dos compradores?
MR – Gol GTi, Opala e outros modelos de versões esportivas, assim como as pick-ups antigas, acredito que sejam os veículos mais procurados na actualidade. Mas muito deste interesse é fomentado não apenas pela história desses carros e sim porque se tornaram “moda”. Muitos compram, pagam absurdos para poder chegar em um encontros e dizer de peito cheio: “Eu paguei X por esse carro”. Isso, na minha opinião, sai do propósito de ser antigomobilista. Existem grandes colecionadores que nem aparecem e não fazem questão. Têm os carros por verdadeira paixão e não por exibição.
JdC – Neste ramo de negócio, você negocia com clientes de todos os tipos. Quais considera os melhores? E os piores? Por quê?
MR – Os melhores clientes são aqueles que tem bom senso e educação. Pesquisam sobre a reputação de quem está vendendo ao invés de vir direto com desconfianças. O bom cliente é aquele que analisa o anúncio com atenção, lê a descrição e analisa as fotos. Os piores clientes são aqueles mal educados e arrogantes, que acham que sabem tudo e que desconfiam em demasia, tornando a negociação desconfortável para ambos os lados. Aqueles que desfazem do exemplar, mas mesmo assim o querem.
JdC– Nos últimos anos, o mercado de clássicos vive uma inflação de preços sem precedentes. De uma hora para outra, automóveis que valiam muito pouco tiveram seus preços inflacionados consideravelmente. A que atribui este fenômeno?MR – A ganância do ser humano! Querer ganhar mais e mais sem olhar pra frente. Quando os preços se elevam muito, junto com as distorções de mercado, é algo muito negativo para todos. O mercado pode desaquecer e todos perdem.
JdC – Dizem que as novas gerações não se interessam mais por automóveis. Preferem bikes e transporte por aplicativos. Isso é verdade? A idade média dos compradores de automóveis aumentou?
MR – De facto, não se vê mais com frequência aquele tipo que passa a tarde de Sábado ou Domingo lavando e encerando o seu veículo. O que mais se vê é uma geração alterando os seus automóveis de forma desordenada e com gosto duvidoso, pois parece que a aparência e o som alto são o foco. Prova disso tudo é a dificuldade de se encontrar automóveis usados originais e realmente bem cuidados. Mas é tradição do brasileiro gostar de veículos e os antigos estão em ascensão. Basta ver o alto movimento nos encontros e exposições de clássicos.
JdC – Como vê o futuro do automóvel, com as preocupações ambientais, a propulsão eléctrica, o uso intensivo de recursos electrônicos e até a automação?
MR – Os conservadores manterão seus antigos movidos a combustão a todo custo e até onde puderem. Mas com certeza, e infelizmente, essa cultura de curtir automóveis talvez esteja se encaminhando para um final e muitos exemplares serão vistos apenas em museus ou colecções particulares. Até porque, na medida que o tempo passa, os profissionais “das antigas” e com real experiência, por exemplo, para trabalhar em carburadores, cada vez ficam mais escassos. Aquele funileiro ou chapeador, que é um artesão, é cada vez mais difícil e, por consequência, torna a preservação cada vez mais cara.
Irineu Guarnier Filho é brasileiro, jornalista especializado em agronegócios e vinhos, e um entusiasta do mundo automóvel. Trabalhou 16 anos num canal de televisão filiado à Rede Globo. Actualmente colabora com algumas publicações brasileiras, como a Plant Project e a Vinho Magazine. Como antigomobilista já escreveu sobre automóveis clássicos para blogues e revistas brasileiras, restaurou e coleccionou automóveis antigos.
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